Propaganda nas Associações de Socorro Mutuo, uma análise com base na jurisprudência.
Antes de falar sobre a questão das propagandas, primeiro, com base no Enunciado 185 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal. destaco os pontos característicos das associações de socorro mútuo, como: (i) Entidades legalmente autorizadas: A associação deve conter o seu estatuto registrado no cartório competente, ser inscrita no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ). A autorização da associação é tida com a aprovação/registro do cartório (Estado) de seu estatuto, (ii) Grupos restritos de ajuda mútua: A associação é considerada um grupo restrito, um grupo particular fechado, ou seja, as pessoas/particulares se unem em prol de um objetivo, no caso em tela, a repartição das despesas já ocorridas. Com esse conceito, foge a ideia de terceiro setor (interesse público) e fica claro o interesse particular (amparo dos membros daquele grupo) e (iii) Autogestão: Significa que é o próprio grupo que cria e gere seus objetivos. É a associação que faz a autogestão das despesas já ocorridas/rateio, em regra feito um contrato atípico (Regulamento), nos termos do Art. 425 do Código Civil.
A partir deste enunciado e pelo fato do tema estar em diário debate no Poder Judiciário, o assunto foi aprofundando e apegando aos pontos indicados acima. Como paradigma, vou citar uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), até porque é a decisão em maior grau “hierárquico” sobre o tema no Judiciário. Entretanto, destaco que ainda não ocorreu o transito em julgado, podendo a decisão ainda ser reformada ou mantida, porém, está em vigência e sendo utilizado o seu teor em instâncias inferiores.
Entendeu assim o STJ:
CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. PODER FISCALIZATÓRIO DA SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS - SUSEP. PEDIDO DE INTERVENÇÃO DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS EMPRESAS DE SEGUROS GERAIS, PREVIDÊNCIA PRIVADA E VIDA, SAÚDE SUPLEMENTAR E CAPITALIZAÇÃO - CNSEG, COMO TERCEIRO PREJUDICADO. INDEFERIMENTO. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO INTERPOSTO PELA SUSEP. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO E DE AUSÊNCIA DE FUNDAMENTO SOBRE A PARTE DO RECURSO QUE SUSCITA A VIOLAÇÃO DO DISPOSITIVO DO ART. 535, II, DO CPC/1973. REJEIÇÃO. ALEGAÇÃO DA RECORRENTE - SUSEP DE OFENSA AO DISPOSITIVO DO ART. 535, II, DO CPC/1973. NÃO OCORRÊNCIA. ATIVIDADES DA ASSOCIAÇÃO MINEIRA DE PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA AUTOMOTIVA. CARACTERIZAÇÃO COMO PRÁTICA SECURITÁRIA. ARESTO RECORRIDO QUE CONCLUIU PELA OCORRÊNCIA DE UM “GRUPO RESTRITO DE AJUDA MÚTUA”. ENUNCIADO N. 185 DA III JORNADA DE DIREITO CIVIL DO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. INAPLICABILIDADE. VIOLAÇÃO DOS DISPOSITIVOS DOS ARTS. 757 DO CÓDIGO CIVIL/2002 E DOS ARTS. 24, 78 e 113 DO DECRETO-LEI N. 73/1966. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO PELA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS EMPRESAS DE SEGUROS GERAIS, PREVIDÊNCIA PRIVADA E VIDA, SAÚDE SUPLEMENTAR E CAPITALIZAÇÃO - CNSEG PREJUDICADO. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO PELA SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS - SUSEP CONHECIDO E PROVIDO. 1. O objeto desta lide não comporta alegação de “concorrência desleal”, visto que o pleito originário foi interposto pela Superintendência de Seguros Privados - SUSEP e, por óbvio, tal questão não integra a perspectiva regulatória que compreende os objetivos institucionais dessa autarquia federal na fiscalização do mercado privado de seguros. De outra parte, no que concerne à perspectiva econômica - sobre eventuais prejuízos que as associadas da recorrente poderão sofrer -, tal se revela irrelevante para efeito de integração a esta lide como terceiro prejudicado. 2. Não se encontra dentre as finalidades estatutárias da Associação recorrente - e nem poderia - qualquer atuação na fiscalização regulatória do mercado de seguros privados, já que isso é atividade privativa da União, que a exerce através da autarquia federal, Superintendência de Seguros Privados - SUSEP. Eventual consequência da atuação dessa autarquia federal, em relação às associadas da recorrente, ocorre no campo meramente do interesse econômico, não do interesse jurídico em si. (…) 9. O Enunciado n. 185 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, no que concerne à interpretação atribuída ao art. 757 do Código Civil/2002, assenta que “a disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão”. 10. A questão desta demanda é que, pela própria descrição contida no aresto impugnado, verifica-se que a recorrida não pode se qualificar como “grupo restrito de ajuda mútua”, dadas as características de típico contrato de seguro, além de que o serviço intitulado de “proteção automotiva” é aberto a um grupo indiscriminado e indistinto de interessados, o que resulta em violação do dispositivo do art. 757 do Código Civil/2002, bem como dos arts. 24, 78 e 113 do Decreto-Lei n. 73/1966. 11. Aliás, tanto se trata de atividade que não encontra amparo na legislação atualmente vigente que a própria parte recorrida fez acostar aos autos diversos informes a título de projetos de lei que estariam tramitando no Poder Legislativo, a fim de alterar o art. 53 do Código Civil/2002, para permitir a atividade questionada neste feito. Ora, tratasse de ponto consolidado na legislação pátria, não haveria necessidade de qualquer alteração legislativa, a demonstrar que o produto veiculado e oferecido pela recorrida, por se constituir em atividade securitária, não possui amparo na liberdade associativa em geral e depende da intervenção reguladora a ser exercida pela recorrente. 12. Não se está afirmando que a requerida não possa se constituir em “grupo restrito de ajuda mútua”, mas tal somente pode ocorrer se a parte se constituir em conformidade com legislação correlata, obedecidas às restrições que constam de tal diploma legal e nos termos estritos do Enunciado n. 185 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal. 13. Recurso especial interposto pela Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização - CNSEG prejudicado. Recurso especial interposto pela Superintendência de Seguros Privados - SUSEP conhecido e provido. (REsp 1616359/RJ, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/06/2018, DJe 27/06/2018)
Veja que o Ministro entendeu que a associação praticava seguro pelo fato das “características de típico contrato de seguro, além de que o serviço intitulado de “proteção automotiva” é aberto a um grupo indiscriminado e indistinto de interessados”. Daqui extraímos dois pontos: (i) Características de típico contrato de seguro: Deve ter cautela para não tornar a atividade igual ao seguro empresarial, principalmente quando existe de arrecadação prévia e fixa (prêmio) para danos incertos e futuros, nomenclaturas próprias do seguro como franquia, prêmio, apólice, etc e (ii) Aberto a um grupo indiscriminado e indistinto de interessados: Segue a ideia de grupo restrito de ajuda mútua, a oferta indiscriminada não guarda nexo com restrição, ora, como falar que é um grupo fechado se a associação faz oferta para qualquer um fazer parte?
No mesmo sentido segue outras decisões. Aqui cito um trecho da sentença proferida pela Justiça Federal de Pernambuco, o qual está presentes em mais de um processo:
“Os grupos de ajuda mútua caracterizam-se pela quotização para rateio de despesas ocorridas, sem caráter atuarial ou composição de reservas**, tampouco a abertura à ampla adesão, tendo caráter tipicamente familiar ou de grupos restritos.** Enquanto a atividade de seguro se baseia em fixação prévia do prêmio e constituição de reservas, a ajuda mútua teria como cerne o rateio de prejuízos, tantos quantos forem e depois de constatadas as ocorrências, não havendo qualquer tipo de reserva de valores”. (Trecho de uma sentença da Justiça Federal de Caruaru)
Nessa linha, seguindo a legislação aplicável e jurisprudência, deve entender o(a) diretor(a) que na exposição da associação deve estar sempre presente essas características: Grupo restrito de ajuda mútua, Autogestão e Rateio de despesas já ocorridas.
Seguindo a ideia de grupo restrito, deve tomar cuidado com a questão da oferta pública. A propaganda, caso queira fazer, deve sempre estar ligada ao associado. O que não pode ser feito é “Venha ser nosso associado”, “faça um orçamento/cotação”, pois foge da ideia de grupo restrito e parte para a ideia de oferta pública indiscriminada.
Portanto, a gestão da associação deve tomar atenção com o site, pois vários constam a informação de cotação/simulação/orçamento. Importante a compreensão e apoio jurídico especializado no assunto para, quando desejar, ter a capacidade de realizar corretamente a promoção das finalidades da associação.